A escolha de hoje é Ferreira Gullar. Ele já apareceu por aqui e acho que continuará aparecendo nos próximos dias porque estou lendo suas obras completas, finalmente. Só posso dizer: leia Gullar antes de morrer.


Galo galo

O galo
no saguão quieto.


Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.


De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte, passeia.


Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio
- que faço entre coisas?
- de que me defendo?


Anda
no saguão.
O ciumento esquece
o seu último passo.


Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura?


Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora?


Como porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?


Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa.


Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito


Vê-se: o canto é inútil.


O galo permanece – apesar
de todo o seu porte marcial –
só, desamparado,
num saguão do mundo. Pobre ave guerreira!


Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão roucoe sangrento.


Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele, é mero complemento de auroras.



fERREIRA gULLAR
Ele mostra um entre das coisas.
Entre o mundo natural e este construído
há o mundo da poesia.
Parece-me que o poeta habita este entre. Sei lá.


cOLABORADORA:




  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS
Read Comments