Hoje vamos com Gullar aprender a beleza do concreto, do vidro estilhaçado, do barulho, das pessoas- que-se-esbarram-na-rua-e-não-se-olham, do caos urbanohumano.
Bicho urbano
Se disser que prefiro morar em Pirapemas
Bicho urbano
Se disser que prefiro morar em Pirapemas
ou em outra qualquer pequena cidade
do país
estou mentindo
ainda que lá se possa de manhã
lavar o rosto no orvalho
e o pão preserve aquele branco
sabor de alvorada
Não não quero viver em Pirapemas
Já me perdi
Como tantos outros brasileiros
me perdi, necessito
deste rebuliço de gente pelas ruas
e meu coração queima gasolina (da
comum)
como qualquer outro motor urbano
A natureza me assusta.
Com seus matos sombrios suas águas
suas aves são como aparições
me assusta quase tanto quanto esse abismo
de gases e de estrelas aberto sob minha cabeça.
Estranheza do Mundo
Olho a árvore e indago:está aí para quê?
Estranheza do Mundo
Olho a árvore e indago:está aí para quê?
O mundo é sem sentido
quanto mais vasto é.
Esta pedra esta folha
este mar sem tamanho
fecham-se em si, merepelem.
Pervago em um mundo estranho.
Mas em meio à estranheza
do mundo, descubro
uma nova beleza
com que me deslumbro:
é teu doce sorriso
é tua pele macia
são teus olhos brilhando
é essa tua alegria.
Olho a árvore e já
não pergunto "para quê"?
A estranheza do mundo
se dissipa em você.
fERREIRA gULLAR
São Luís, MA, 10 de setembro de 1930 é um poeta,
crítico de arte, biógrado, memorialista e ensaísta brasileiro.
cOLABORADA
Muitos dizem ser ele o maior poeta vivo do Brasil.
Não sabem estes que poeta não morre,
Não sabem estes que poeta não morre,