Fit 2008

Moda Mundo Música Cinema Design Artes
Marcadores: cultura, teatro | às 22:25
Marcadores: leitura | às 22:19
Milly Lacombe é jornalista esportiva, mas eu a conheci, há muito tempo, através da Coluna do Meio que é publicada mensalmente na revista TPM.
Através de textos simples, mágicos, carregados de uma memória detalhista e sensível a jornalista emociona... good trip!
A maior declaração de amor.
Já ouvi palavras de ternura que foram capazes de me transportar aos lugares mais distantes, aos sentimentos mais profundos. Desta vez, elas vieram de quem não se esperava.
O convite era para passarmos o domingo no sítio de amigos de meus pais. Dada a completa falta de intimidade entre minha família urbanóide e assuntos ligados à fauna e à flora, imaginei que seria declinado. Engano. Domingo de manhã, a casa começou a se arrumar para ir ao tal churrasco na piscina: um programa alienígena para meus dez anos de vida. Maiôs, bóias, protetor solar – que, na época, era restrito ao Hipoglós e aplicado apenas no rosto dos mais branquelos como eu – e toda a parafernália que a circunstância exigia. Esperando pelo melhor, tratei de colocar na mala meu kichute preto de travas altas, que gostava de amarrar de dois jeitos diferentes: ou com o cadarço dando voltas no tornozelo, ou com o cadarço dando voltas na sola, entre as travas. Esta última me parecia a mais boleira e, por isso, era a preferida. Vai que no sítio tinha um campo de futebol, pensei. E, à revelia da matriarca, lá se foi o kichute para dentro da mala com os maiôs.
A primeira coisa que vi ao chegar foi um campo enorme, oficial, novinho. Meu coração disparou diante da expectativa de passar um dia inteiro jogando bola. De mãos dadas com meu pai, desci do carro para cumprir o protocolo infantil da chegada: beijinhos, apertos de bochecha, elogios a respeito de meu tamanho e referência a como meus olhos eram iguais aos de meu pai. O manual da criança educada exigia que eu sorrisse e ignorasse a dor que vinha do aperto em minhas bochechas. Tanto fazia, eu queria apenas correr para o campo.Atrás de mim, minhas irmãs, meu irmão caçula e a matriarca,que,mesmo fazendo força para esconder,desfilava sua prole orgulhosamente.
Depois de longos e dolorosos minutos, já com todos reunidos na piscina, alguém finalmente começou a organizar o jogo. Para meu completo desespero, notei que se tratava de um evento masculino – embora esse pequeno detalhe eu fosse capaz de tirar de letra, afinal, todo jogo de bola era um evento masculino naquela época – e adulto. A matriarca jamais me deixaria jogar com homens bem maiores do que eu, pensei. Antecipando o problema, corri para pedir que ela intercedesse a meu favor. Muito a contragosto, lá foi minha mãe falar com o rapaz. O momento era de tensão: o organizador, que devia ter 20anos, me olhava com uma expressão incrédula.Como tantos outros antes dele, pude intuir que temia pelo sucesso da pelada: colocar em campo uma menina poderia arruinar a brincadeira. Foi então que meu pai se juntou ao grupo e recebi autorização para colocar a chuteira. Como de costume, fui a última a ser escolhida. Você aprende a lidar com o preconceito bastante cedo na vida e eu sabia exatamente o que fazer naquela situação: jogar bola. Quando não esperam muito de você, fica fácil superar a expectativa.
Primeira de muitas
E foi assim que, em minutos, fiz dois gols, um deles chutando de longe, num movimento de pura inspiração, colocando a bola no que ficou em minha memória como sendo o ângulo superior esquerdo do goleiro, e dei vários dribles nos filhos dos amigos de meus pais. Quando saí do campo, vi meu pai me esperando. Ele me pegou pelo pescoço, como sempre fazia, dizendo que era assim que se pegavam gatinhos, abaixou e sussurrou ao pé de meu ouvido: “Bilu, você é o meu orgulho”. Foi assim que ouvi, pela primeira vez, a maior declaração de amor da minha vida. A partir desse dia, sem nenhum motivo aparente, meu pai repetia a frase, que virou a assinatura verbal de nossas conversas: antes de desligarmos o telefone ou quando eu ia até o seu quarto dar boa-noite.
A vida seguiu, meu pai desistiu, e eu conheci outras declarações de amor, também ditas ao pé do ouvido, e também capazes de fazer com que eu passasse mais forte pelo dia – mas a de meu pai nunca perdeu posição.
Anjo da guarda
No dia 11 de janeiro, Mel, minha sétima sobrinha, nasceu. Uma semana depois, deitada na cama de minha irmã, vendo-a amamentar cercada por seus outros três descendentes, lembrei do que me disse um astrólogo-espírita há dois anos: depois de perguntar se eu pretendia ter filhos e de me ouvir explicar que eu dificilmente os teria porque era gay e não via uma criança em minha vida, ele disse que era uma pena porque havia uma pequena alma esperando para nascer em mim, e que essa alma iria me acompanhar até o último dia, e cuidar de mim e me agasalhar e me alimentar espiritualmente.Repeti a ele que não pretendia mesmo ter filhos. Foi quando ele falou: ela vem de qualquer jeito, nem que seja em uma pessoa muito perto de você. Naquela hora, vendo Mel ser alimentada, contei a história a minha irmã e a meus sobrinhos, dizendo que não sabia se acreditava nela, mas que me parecia curiosa.
Todos riram, menos Paulo, o mais velho. Aos 15 anos, Paulo compartilha comigo da paixão pelo futebol e é meu fiel escudeiro.Juntos, jantamos fora, vamos aos mais variados estádios, vemos jogos na TV, falamos da vida. Carinhoso, não me poupa de abraços e beijos e cafunés.Ao me ouvir contar a história do astrólogo-espírita, levantou e, enquanto todos paparicavam o bebê, enxergando nele a tal alma-guia que iria me proteger, disse ao pé de meu ouvido: “Essa pessoa já chegou, e faz tempo. Essa pessoa que vai cuidar de você até o último dia sou eu”.
E foi assim, num domingo de janeiro de 2008, que a declaração de amor de meu pai passou a ser a segunda melhor que eu já ouvi na vida.
Milly Lacombe
* outro texto ótimo dela está aqui, onde ela explica o que fazer na cama com um corpo de mulher. rapazes não deixem de ler.
Marcadores: cultura, música | às 18:24
| às 14:45
A escolha de hoje transgride limites: conto ou poesia? Poesia-conto?
Delicie-se você e deixe os teóricos com suas brincadeiras.
DESENREDO
Do narrador a seus ouvintes:
- Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom como o cheiro da cerveja. Tinha o para não ser célebre. Com elas quem pode, porém? Foi Adão dormir, e Eva nascer. Chamando-se Livíria, Rivília ou Irvília, a que, nesta observação, a Jó Joaquim apareceu.
- Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jô Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento. Mas muito tendo tudo de ser secreto, claro coberto de sete capas.
Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.
Não se via quando e como se viam. Jô Joaquim, além disso, existindo só retraído, minuciosamente. Esperar é reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme milagre. O inebriado engano.
Até que veio o desmastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o marido a mulher: com outro, um terceiro... Sem mais cá nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o Diz-se, também, que de leve a ferira, leviano modo.
Jó Joaquim, derrubadamente surpreso, no absurdo desistia de crer, e foi para o decúbito dorsal, por dores, frios, calores, quiçá lágrimas, devolvido ao barro, entre o inefável e o infando. Imaginara-a jamais a ter o pé em três estribos; chegou a maldizer de seus próprios e gratos abusufrutos. Reteve-se de vê-la. Proibia-se de ser pseudopersonagem, em lance de tão vermelha e preta amplitude.
Ela - longe – sempre ou ao máximo mais formosa, já sarada e sã. Ele exercitava-se a agüentar-se, nas defeituosas emoções.
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impossível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz, o marido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso.
Soube-o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, dolorido mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encontrou – ela sutil como uma colher de chá, grude de engodos, o firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e não fechar de ouvidos. Daí, de repente, casaram-se. Alegres, sim, para feliz escândalo popular, por que forma fosse.
Mas.
Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se seguem e parafraseiam. Deu-se a entrada dos demônios.
Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima hora: traído e traidora. De amor não a matou, que não era para truz de tigre ou leão. Expulsou-a apenas, apostrofando-se, como inédito poeta e homem. E viajou fugida a mulher, a desconhecido destino.
Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo fato, Jó Joaquim sentiu-se histórico, quase criminoso, reincidente. Triste pois que tão calado. Suas lágrimas corriam atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, no frágio da barca, de novo respeitado, quieto. Vá-se a camisa, que não o dela dentro. Era o seu um amor meditado, a prova de remorsos. Dedicou-se a endireitar-se.
Mais.
No decorrer e comenos, Jó Joaquim entrou sensível a aplicar-se, a progressivo, jeitoso afã. A bonança nada tem a ver com a tempestade. Crível? Sábio sempre foi Ulisses, que começou por se fazer de louco. Desejava ele, Jó Joaquim, a felicidade – idéia inata. Entregou-se e remir, redimir a mulher, à conta inteira. Incrível? É de notar que o ar vem do ar.de sofrer e amar, a gente não se desafaz.ele queria apenas os arquétipos, platonizava. Ela era um aroma.
Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois.disse-se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a embustes, falsas lérias escabrosas. Cumpria-lhe descaluniá-la, obrigava-se por tudo. Trouxe à boca-de-cena do mundo, de caso raso, o que fora tão claro como água suja. Demonstrando-o a matemático, contrário ao público pensamento e à lógica, desde que Aristóteles a fundou. O que não era tão fácil como refritar almôndegas. Sem malícia, com paciência, sem insistência, principalmente.
O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas, acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados testemunhos. Jó Joaquim, genial operava o passado – plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transformada realidade, mais alta. Mais certa?
Celebrava-a, ufanático, tendo-a por justa e averiguada, com convicção manifesta. Haja o absoluto amar – e qualquer causa se irrefuta.
Pois, produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transato desmanchava-se, a anterior evidência e seu nevoeiro. O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos.
Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou-lhe lá a notícia, onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância. Soube-se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, com dengos e fofos de bandeira ao vento.
Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim e Vilíria retornaram-se, e, conviveram, convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida.
E pôs-se a fábula em ata.
ps: Amar ao ponto de transfigurar a realidade. Você pode?
Desabrochou em Cordisburgo, MG, em
1908, e perdeu as pétalas no
Rio de Janeiro em 1967.
Contista, romancista, novelista, inventor:
DEMIURGO.
cOLABORADORA:
| às 15:10
Cida Gomes Atelier Culinário abre inscrições para o curso “Pratos leves, práticos e saborosos”. O módulo será nos dias 19 e 26 de março, quartas-feiras, a partir das 14h30, e os alunos terão a oportunidade de aprender pratos fáceis de fazer, leves e, ao mesmo tempo, muito saborosos.
Informações pelo telefone: 3086-2182
Fonte: Ampla Comunicação
Marcadores: cultura, exposição | às 12:06
Marcadores: música, show | às 11:01
Marcadores: buteco, cultura, eventos | às 08:44
O Buteco Cultura acontecerá aqui em Belo Horizonte do dia 10/03 até 31/03 na Casa Bernadi.
Marcadores: arte digital | às 21:37
Marcadores: arte, cultura, exposição | às 21:22